sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Alfred Hugenberg, o homem que elegeu Hitler, e sua lição para o Brasil

A falta de pluralidade na mídia é prejudicial para que os cidadãos formem uma opinião mais acurada da realidade. A sociedade, como sabemos, é diversa, comportando os mais diversos tipos de opiniões. No entanto, quando poucos controlam o acesso às plataformas de comunicação com o público, essa diversidade sofre um ataque. Conforme aponta um relatório da Unesco, "a mídia pode prestar-se para reforçar o poder de interesses particulares e exacerbar desigualdades sociais, ao excluir vozes críticas ou marginalizadas. A mídia pode até promover o conflito e a segregação social". O golpe de 1964, apoiado por todos os grandes jornais brasileiros, à exceção do Última Hora, é um exemplo disso. A mídia fez com que grande parte da população brasileira apoiasse a tomada de poder por quem mais tarde iria tolher os direitos básicos dos cidadãos. O que pouca gente sabe, no entanto, é que a monopolização da mídia criou o clima para o maior desastre da História da humanidade.

A imprensa e a ascensão do nazismo

Alfred Hugenberg nasceu em 19 de junho de 1865 em Hanôver. Seu pai era membro do Partido Nacional Liberal e influenciou o jovem Alfred que, após estudar Direito em Berlim e Economia em Estrasburgo, fundou a ultra-nacionalista Liga Geral Alemã e sua sucessora, a Liga Pan-Germânica. Em 1899, defendeu a "aniquilação dos poloneses", participando de um esquema para expulsar os poloneses da província de Posen (mais tarde anexada à República polonesa após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial). Quatro anos depois, começou a trabalhar no Ministério da Fazenda. Em 1909, deixou a repartição pública para assumir um assento no conselho de diretoria da empresa de aço Krupp (atualmente ThyssenKrupp). Em 1916, adquiriu seus primeiros veículos de comunicação: a revista Die Gartenlaube e os jornais Die Woche e Berliner Lokal-Anzeiger. Dois anos depois, saiu da Krupp e começou a formar seu conglomerado de mídia. Durante o período da hiperinflação, Hugenberg aproveitou a crise para comprar dezenas de jornais por um preço muito mais barato do que eles realmente valiam. Logo, passou a monopolizar a mídia alemã; controlava, direta ou indiretamente, cerca de 1,6 mil jornais.

Hugenberg controlava as editoras Scherl, Telegraphen Union e Vera Verlag, parte das ações dos estúdios Universium Film AG (maior produtora de filmes e cinejornais) e a agência de publicidade Ala-Anzeiger AG. Seu conglomerado de mídia era utilizado para manipular e agitar a opinião pública alemã. Segundo Robert Wistrich, seu objetivo era fazer com que os cidadãos, em especial os de classe média, apoiassem um programa ultra-nacionalista, anti-pacifista, anti-democrático e anti-socialista. Assim como os ideólogos do Partido Nazista, Hugenberg também era antissemita. Segundo Paul Bookbinder, foi durante a Primeira Guerra Mundial que suas visões políticas se radicalizaram e ele passou a adotar a expansão do território alemão e o repúdio aos judeus como suas duas principais plataformas políticas. Em 1919, ele se juntou ao Partido Popular Nacional Alemão (DNVP na sigla em alemão), sendo eleito membro do Reichstag no ano seguinte. Em 1928, ele virou líder do partido e passou a defender a revogação da Constituição de Weimar e a instauração de um governo ditatorial. Dentre as propostas do DNVP estavam a restauração da monarquia, a reconquista dos territórios perdidos no Tratado de Versalhes e a redução da participação dos judeus na vida pública. Vale notar que os principais concorrentes de Hugenberg no mercado de mídia eram Leopold Ullstein e Rudolf Mosse, ambos judeus. A fuga de judeus permitiu ao magnata obter 23,15% das cotas da Wolff, maior agência de notícias do país.

Após a cobertura positiva dos jornais de Hugenberg,
o Partido Nazista passou de 2,6% para 18,25% dos votos.
É óbvio que os jornais controlados pelo empresário apoiavam sua visão de mundo. No entanto, tais visões não eram consensuais na sociedade e sequer no DNVP, que viu uma migração de seus deputados para partidos mais moderados de direita. Foi então que Hugenberg teve a ideia de usar Adolf Hitler para chegar ao poder. Seu DNVP era popular entre a classe média, mas tinha dificuldade em se comunicar com os eleitores da classe trabalhadora, algo que os nazistas faziam muito bem. O empresário valeu-se da boa oratória de Hitler para tentar fazer passar seu referendo que propunha dissolver o Tratado de Versalhes. Assim sendo, o Partido Nazista passou a receber benesses de Hugenberg, seja na forma de doações monetárias ou da cobertura simpática da mídia alemã, quase toda concentrada nas mãos de Hugenberg. Anteriormente, Hitler havia sido denunciado como "socialista" pelos jornais do empresário. Goebbels desgostava de Hugenberg a tal ponto que pensou em romper com Hitler, mas recuou após receber do empresário a missão de controlar as matérias sobre o Partido Nazista publicadas na mídia. Enfim o Partido Nazista possuía uma plataforma na mídia que possibilitaria sua ascensão ao poder. A aliança entre Hugenberg e Hitler durou pouco, mas foi tempo o suficiente para projetar nacionalmente a imagem do líder nazista. Graças a Hugenber, Hitler finalmente conseguiu ter acesso ao empresariado nacional e logo os magnatas alemães estavam desertando do DNVP para se juntarem ao Partido Nazista.

Apesar disso, os dois partidos mantiveram a coligação parlamentar e, em 1931, Hugenberg e Hitler lançaram uma nota conjunta afirmando que iriam atuar juntos para derrubar a República. Em 1932, Hugenberg se recusou a apoiar a candidatura presidencial de Hitler, lançando como seu candidato Theodor Duesterberg. Este não ascendeu ao segundo turno devido, em parte, à boataria nazista de que ele possuía ascendência judaica. No final do ano, no entanto, os dois líderes fizeram uma renião secreta em que concordaram em não atrapalhar um ao outro. Em janeiro de 1933, Hitler ascendeu ao posto de chanceler através das articulações do ex-chanceler Franz von Papen, que garantiu a Hugenberg o posto de Ministro da Agricultura e da Economia. A partir daqui, a história é conhecida. Hitler coloca fogo no Reichstag, culpa os comunistas e baixa um decreto que pôs fim efetivo às liberdades civis dos cidadãos alemães. A mídia, controlada por Hugenberg, jamais questionou as ações de Hitler. O empresário também era contra a democracia e votou de maneira favorável ao decreto e à lei habilitante de 1933. Não fossem medidas impopulares tomadas por Hugenberg no ministério da Agricultura (ele aumentou o preço da manteiga para ajudar os produtores de leite), é possível que ele tivesse se tornado um dos homens fortes de Hitler.

Ainda controlado por Hugenberg, o jornal Lokal-Anzeiger
anuncia "o programa de Adolf Hitler para a liberdade, a
honra e o trabalho" (25 de outubro de 1933).
O empresário foi forçado a renunciar no final de junho de 1933. Seu partido logo aprovou fundir-se com o Partido Nazista e Hugenberg foi lançado como candidato ao Reichstag, ao lado de von Papen, em novembro, na eleição mais anti-democrática da história da Alemanha. Acontece que Hugenberg era bom de voto junto à classe média. Em dezembro, sua agência de notícias Telegraphen Union foi tomada pelo Ministério da Propaganda. Ele reteve boa parte de suas empresas de mídia até 1943, quando a empresa nazista Eher Verlag tomou o controle da Scherl. Em troca, Hugenberg recebeu uma grande quantidade de ações em indústrias no vale do Rio Reno. O empresário continuou no Reichstag até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, como um dos 22 membros "convidados" do parlamento. Ele foi preso por participação no Holocausto, mas foi solto em 1949 por um tribunal de desnazificação de Detmold, que concluiu que ele não era um nazista e permitiu que ele mantivesse suas propriedades, empresas e ações. Ele morreu tranquilamente em 12 de março de 1951, aos 85 anos de idade, numa cidade próxima a Detmold.

Imprensa brasileira ainda segue modelo Hugenberg

O modelo Hugenberg de distribuição de notícias é seguido até hoje pelos conglomerados de mídia do Brasil. Se nos Estados Unidos e na Europa os jornais locais dependem de agências de notícias independentes como Associated Press, Reuters e AFP para noticiar o que ocorre em locais distantes, no Brasil o padrão seguido é outro. Jornais como O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão possuem suas próprias agências de notícias que oferecem o conteúdo que já foi produzido por seus repórteres para os jornais locais. Assim sendo, as agências de notícias brasileiras oferecem um produto fortemente ligado à linha editorial de seus respectivos jornais. Conforme aponta Pedro Aguiar, essa estratégia de negócio teve início no modelo de gestão adotado por Hugenberg e foi importado para o Brasil por Assis Chateaubriand, o primeiro empresário a monopolizar o mercado de notícias no país. Sua influência política no Brasil foi considerável, abarcando um período que foi do entreguerras (1918-1939) até o início da ditadura militar (1964-1985).

Aguiar explica que esse modelo remonta ao período imediatamente anterior ao início da Primeira Guerra Mundial, com um crescente desconforto dos empresários da mídia alemã com o conteúdo "anti-germânico" que chegava nas redações de seus jornais vindo de agências de notícias estrangeiras como a Reuters britânica e a Hava francesa. Em 1913, eles criaram uma cooperativa de revenda das notícias dos próprios jornais, a SDU. Para geri-la foi criado um "conselho de notáveis" que reunia 300 industriais, dentre os quais o próprio Hugenberg. Segundo Aguiar, "é nessa época que o empresário começa a tomar contato com a gestão de agências de notícias e a importância estratégica que estas empresas oferecem". Em 1916, o empresário compra a agência de notícias Telegraphen Union (TU), fundada três anos antes a partir da fusão de serviços noticiosos e telegráficos preexistentes. Como sócios na empreitada, Hugenberg convida seus antigos patrões do grupo Krupp, que passam a compartilhar com ele o controle acionário da agência. Inspirado pela SDU, Hugenberg inova e garante a exclusividade do fornecimento do material jornalístico produzido pela TU para os veículos controlados por seu próprio grupo de imprensa.

Grande admirador da Alemanha, Assis Chateaubriand fundou a Agência Meridional em 1931 com o intuito de produzir matérias que seriam veiculadas apenas nos veículos controlados por seu grupo, Diários Associados. Outras agências já haviam sido fundadas no Brasil, como a Americana (1913) e a ABN (1924), todas com pouca expressividade. As demais agências, que seguem o modelo da Meridional até hoje, foram fundadas nas décadas seguintes. A Agência Estado, do Estadão, em 1970; a Agência O Globo, do jornal homônimo, em 1973 e a Folhapress, da Folha de S. Paulo, em 1994. Atualmente, estas são as maiores agências de notícias brasileiras. Elas atuam como "revendedoras" de matérias e fotos já produzidas pelas equipes dos jornais carro-chefe de cada conglomerado para jornais de  menor porte, longe das grandes metrópoles. Jornais locais dependem do material produzido nas metrópoles para alimentar suas edições, o que compromete a expressão regional e facilita o entendimento da rápida aceitação do nazismo em todas as regiões da Alemanha após a cobertura positiva de Hitler por parte do conglomerado de Hugenberg.

Este modelo de distribuição de notícias enfraquece a mídia local. Pequenos jornais ou emissoras de rádio, que tentam produzir um jornalismo independente, ficam em desvantagem competitiva em relação aos grupos que estão alinhados aos conglomerados nacionais de mídia. Qual o sentido de investir numa abordagem mais independente dos fatos se eu posso apenas ler ou republicar as matérias das agências? De repente, todas as emissoras de rádio e jornais locais estão divulgando as mesmas notícias; às vezes o que muda é a entonação do locutor ou o local de uma vírgula. Assim sendo, é possível afirmar que a maior parte das notícias veiculadas no Brasil segue a linha editoral de O GloboFolha e Estadão, visto que quase nunca "a agência faz a pauta e apura as informações" (Marques, 2005, p. 94). Há uma relação de dependência da mídia regional com os conglomerados das grandes metrópoles do eixo Rio-São Paulo, o que desestimula a independência jornalística e perpetua a concentração de um mercado já muito concentrado. Segundo o projeto Donos da Mídia, os grupos Abril, Globo, Bandeirantes, Record e Diários Associados controlam 42% dos veículos de comunicação de abrangência nacional do Brasil.

Outros modelos

Recentemente, propostas de democratização da mídia vem sendo discutidas no Brasil após a adoção de modelos desenvolvidos no sul, primeiro na Argentina e depois no Uruguai, em conformidade com o já apontado relatório da Unesco, que indica que os Estados nacionais devem "promover ativamente o desenvolvimento do setor de mídia de tal maneira a impedir a concentração indevida e assegurar a pluralidade e transparência da propriedade e do conteúdo nas vertentes pública, privada e comunitária da mídia". Apesar disso, as legislações – que regulamentam o uso do espectro radioelétrico e define regras para sua exploração – enfrentam a reação orquestrada de grandes empresas privadas de comunicação. Tanto na Argentina quanto no Uruguai, há um processo de judicialização das leis, ou seja, o questionamento jurídico das mesmas para atrasar sua implementação.

A luta pela aprovação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual na Argentina remonta ao ano de 2004, quando movimentos populares começaram a debater a pauta da regulamentação da mídia. A lei anterior, de 1978, vinha do período ditatorial e favorecia a concentração dos veículos de imprensa. O Grupo Clarín, que apoiou a ditadura, explorava 270 emissoras de rádio e TV e monopolizava as transmissões dos jogos do Campeonato Argentino de Futebol, relegando-os à TV paga. A paixão nacional pelo futebol fez com que os argentinos exigissem da presidenta Cristina Kirchner a regulamentação do setor. Kirchner levou a discussão para o Congresso em 2008, diante de uma forte oposição dos jornais. Apesar das acusações da mídia de que o governo pretendia censurar os argentinos, 15 mil cidadãos marcharam em direção ao Congresso para levar aos deputados o texto do projeto de lei de iniciativa popular. Por fim, a legislação foi aprovada por 147 votos a 3. No final de 2009, a lei entrou em vigência e, imediatamente, foi questionada na Justiça pelo Grupo Clarín. Levou quatro anos até a Corte Suprema declará-la constitucional. A lei uruguaia leva o mesmo nome da lei argentina e enfrenta o mesmo problema. Aprovada em dezembro de 2013, o governo aguarda uma decisão da Suprema Corte para começar a implementá-la.

No Brasil, os deputados constituintes, cientes do mal que a monopolização da mídia pode causar num país (como causou na Alemanha), inseriram na Constituição a proibição da formação de monopólios e oligopólios no setor. No entanto, ainda hoje esse dispositivo permanece sem regulamentação. A eleição de Lula, que parecia uma esperança para os militantes da comunicação, se transformou numa decepção amarga. Os governos do PT pormenorizaram o problema da concentração dos meios de comunicação no Brasil. Segundo o professor Venício de Lima, referência em estudos sobre mídia e democracia, "os governos acreditaram, equivocadamente, que poderia ser feita uma aliança com os oligopólios midiáticos", o que não só não ocorreu como compromete a democracia brasileira. Afinal, o próprio conceito de democracia está relacionado à liberdade de expressar as opiniões mais diversas, o que nem sempre ocorre na imprensa. Os três maiores jornais brasileiros – e suas agências – produzem matérias seguindo as mesmas pautas e a mesma linha editorial, que mais tarde serão reproduzidas em rádios e emissoras de TV a eles ligadas. A partir do momento em que a maioria das pessoas acreditam numa opinião única, fica fácil convencê-la de qualquer coisa. Assim como Hugenberg convenceu a Alemanha a se livrar dos judeus.

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